sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Folha de papel

Folha, ó ilustríssima sulfite!
O que há por trás do teu silêncio?
Alvo silêncio, por que escondes a beleza?
Hei de te esculpir de talhada em talhada
num esforço artístico, só por teus caprichos?
Responda-me, e deixes de lado essa brancura!
Este teu cinismo recôndito é de ensandecer!
Fale comigo folha! Macule o teu silêncio!
Ou pelo menos deixe a caneta correr mais livremente.
Não me limite a espaços pré determinados
E idéias pré-concebidas;
Faça de ti uma poesia, partitura, retrato;
Algo de real valor.








Desculpe-me a demora, Folha;
Mas tive que recompor minhas forças,
Tomar um café, munir-me de tinta
E correr ao combate;
Continuar a travar o duelo entre mim e ti.
Sei que hei de vencer,
Despojarei-lhe e a deixarei impregnada,
suja, impressa com idéias novas,
ou recauchutadas.
Sei que não será fácil,
Mas ferirei tua brancura de letra em letra
Até que percas as forças
E entregue-me, vencida e exausta,
Um poema quente, breve, contundente
Com mil formas diferentes de se ler;
Um grito literário de um milhão de vozes de potência,
Que seja ouvido
Muito e sempre,
Que não pare de ecoar,
Provocando um comichão incômodo
Em quem ler
E que traga à tona o majestoso
dia em que te venci.

Urbanos completamente sãos

Motoristas velozes arrancam com seus carros
Tanto barulho, tanta confusão, tanta fumaça
Tá-ta-tá-ta, o trem, bicho-trem.
Show de piscas, limpadores de pára-brisas,
Buzinas de todos os sons. Dissonantes.
Confusão tetradimensional; pensamentos aniquilados
Atropelam-se em plena avenida,
Lombadas, semáforos, obstáculos, radares
Tudo quer impedir a velocidade.

Meditar na confusão é tempo que se perde
É preciso produzir. Mais, mais e mais.
O rio, o leito do rio está maculado
O mau cheiro ofusca o olfato
Que logo se mistura com a fumaça. Massa, massa.

Um rosto triste pondera
No ponto de ônibus
Um corpo de uma moça tem um rosto pensante
Ela é um rosto pensativo. Só o rosto. Mosto, mosto.
Um rosto ponderante acoplado no corpo duma moça,
Que tem seios e respira fumaça. Fumaça urbana.

Barracos, tocas, casas, sobrados, apartamentos, prédios
Garagens, calçadas, sarjetas, esgotos, ruas,
Buracos, buracos, buracos. No chão; buraquinhos e crateras
Quebram os amortecedores, tropeçam os sapatos. Patos, patos
Tem pato pacato e recatado no terreno da velha italiana
do lado do prédio comercial.

Pessoas na rua. Sem destino. Enquanto umas vem
Outras vão, voltam, vai, vinham, regressam. O cansaço
mistura-se com a disposição e gritos juvenis. Sindicato,
Escola, trabalho, casa, igreja, cama, banho, comida, Internet.
O celular toca,
Quem atenderá?
Pessoas aflitas procuram seus aparelhos em suas bolsas
Como se isso custasse-lhes as vidas.

Polícia, sirene, motoboy, ambulância. Ânsia, ânsia,

Lamazinha sujérrima impregna o chão,
O mundo está sujo;
Por que a dona-de-casa varre a calçada?

Política, economia, mercado. Peixe, peixe, peixe,
filosofia, psicologia, religião. Terrorismo

As pessoas não querem trabalhar hoje. Mas vão.
Violentam-se minuto a minuto. Trabalham,
trabalham, trabalham. Ralham, ralham, atalham.
Sobra pouco tempo para pensar. E para o amor?
Sexo, sem nexo, patético, não-ético?
Orgasmo. Cinco minutos de silêncio.

Filho, tio, mãe, pai, avó, cunhada, sogra, enteado, sobrinho, prima, tia-avó, meio-irmão, irmão inteiro, namorada, esposa, amante, pastor, padre, prefeito, consciência, pecado, erro, mentira, vaidade, moda, marketing, universidade, carnê de pagamento, dívida, enchente, inflação, doença, beijo, olhar, ansiedade, tempo, tempo, tempo.

Caos.

Um minuto para pensar e desligar-me?
Posso tocar uma música e recitar um poema?
Posso respirar?
Não. Mergulho nesse caldo insosso
Nesse caldeirão sujo. Planeta Terra.
Brasil. São Paulo. Barueri.

No meio da avenida relato. Lato, lato.

Rotina

Dorme, acorda, espreguiça
Pisca, anda e tropica
Escova, lava, dá cuspida
SORRISO.

Troca roupa, põe calça
Bebe leite, quebra taça
Suja boca, come massa
ARROTO.

Pega livro, esquece chave
Beija filho, canta ave
Desce escada, surdo grave
PROCURA.

Sobe escada, chuta porta
Geme casa, mas suporta
Sua dor pra quem importa?
NINGUÉM.

Vai na copa, cai panela
Quebra o balde, acende a vela
Tá atrasado, sai cadela!
TIC-TAC.

Desce escada, ganha rua
Aperta o passo, até que sua
Dura vida, vida crua
TRANSPIRA.

Dá sinal, entra no bus
Está cheio de urubus
Passageiros quase nus,
SACODEM.

Abre porta, que trabalho
Mundo cheio, mundo falho
Cheiro de cebola e alho
BARALHO!

Sobe escada, pico o ponto
Já está ficando tonto
Dia ruim nunca vem pronto
LAMENTA.

Passa hora, acaba turno
Vai entrar plantão noturno
Já cumpriu dever paterno
RETORNA.

Desce ponto, pica rua
Abre mundo, ganha lua
Não morre a rotina nua
ESCADA.

Doce casa, come janta
Tanta fome, fome tanta
Beija noite que encanta
E DORME.

UM SEGUNDO

Neste momento alguém agoniza
Perdendo a vida
O tímido não declara seu amor
Perdendo a vida
O gameta não atravessa a parede de látex
Perdendo a vida
O garoto injeta uma overdose de alegria
Perdendo a vida
E o sol se põe no horizonte
Perdendo a vida
Neste momento alguém está copulando!
Perdendo a vida
E o operário fazendo hora extra
Perdendo a vida
A adúltera geme de prazer
Perdendo a vida
E o fornicário maquina novos planos
Perdendo a vida
Há soldados invadindo terras hostis
Perdendo a vida
E mães que choram por seus filhos
Perdendo a vida
Presidentes que querem mais poder
Perdendo a vida
Um bandido está sendo detido
Perdendo a vida
Uma árvore está sendo cortada
Perdendo a vida
E o humorista ri sozinho da piada
Perdendo a vida
O agricultor limpa o suor na camisa
Perdendo a vida
E o boi atola no barreiro
Perdendo a vida
O menino cai da bicicleta
Perdendo a vida
A menina pela primeira vez fica menstruada
Perdendo a vida
O operário pega a mulher no ato
Perdendo a vida
Expulsa o Ricardo, espanca a mulher e pede o divórcio
Perdendo a vida
Bebe no bar, xinga o guarda e cai na valeta
Perdendo a vida
Ele chora
Perdendo a vida
O mendigo busca no lixo seu alimento
Perdendo a vida
E a garotinha rica reclama do banquete
Perdendo a vida
Um trabalhador é assaltado
Perdendo a vida
O metal pequeno atravessa-lhe as carnes
Perdendo a vida
Uma viúva inocente espera o marido
Perdendo a vida
Logo vai chorar no seu enterro
Perdendo a vida
O depressivo planeja o suicídio
Perdendo a vida
Procurando o edifício mais alto para seu vôo mortal
Perdendo a vida
Vai sair na manchete do jornal
Perdendo a vida
Mas no outro dia ninguém se lembrará
Perdendo a vida
A gestante sente a hora chegar
Perdendo a vida
E expulsa de si um corpo novo
Perdendo a vida
Nasce a criança enrugada
Perdendo a vida
É o início de sua morte lenta
Perdendo a vida
Há um grande mal que a espera
Perdendo a vida
É a vida cruel no mundo limitado
Perdendo a vida
Para existir é necessário viver
Perdendo a vida
Beijar todos os beijos, fazer todos os filhos e escrever todos os livros,
Comer todos os doces, rir todos os risos e abraçar todos os dias,
O poeta repete uma frase chata
Perdendo a vida
Logo o enfurecido leitor espancá-lo-á até a morte
Perdendo a vida
Mas saiba de uma coisa muito importante:
Quando terminares de ler este poema tenha certeza que estarás:
Perdendo a vida.

Ponderação

Vida cascuda, não vem pronta,
Quanto mais descasca, mais longe o cerne fica.
Mas afinal, o que é vida?

É nascer, crescer, reproduzir-se e morrer?
É assistir ao mundo com a ponta do nariz atrapalhando?
É esperar o amanhã que nunca chega?

É fazer empréstimos para pagar a dívida ao credor e ficar devendo ao banco, emprestar da financeira para pagar o agiota, emprestar do agiota para pagar a hipoteca, penhorar todos seus filhos para pagar seus pecados, fazer um holocausto para pagar a dívida externa, interna e intensa, emprestar do FMI para pagar a esmola que você ficou devendo ao mendigo do semáforo que lhe cobra tantos impostos, vender a alma para pagar quem-sabe-lá; sua bunda foi parar no pregão da bolsa de valores e está sendo disputada por mil malucos que também estão devendo, já venderam seu sangue e disputam agora os ossos. Deus lhe pague com juros, correção monetária e ajuste da taxa de câmbio pelo índice Dow Jones; uma folha de papel bem parecida com esta que estou escrevendo. Até Deus está devendo!
Ai meu Deus! Xiii... ele vai me cobrar por isso! A vida é cara, mas para todas as outras existe Mastercard. A porta do céu tem roleta, tô devendo, vou ter que pular o muro, mas já tem anjo corrupto cobrando pedágio; no inferno tem economista, vou economizar meus ais! Tem polícia cobrando propina pra entrar no camarote dos políticos com ar-condicionado, longe do lago de enxofre ardente, melhor não morrer que sai caro! O caixão é uma fortuna! Mas como pagar a dívida se até favores devo? Devoto? Não, tenho que pagar o dízimo, o sindicato, o menino que olha o carro, a morte de Jesus, o pecado de Adão e pagar minha língua que não se cala e aumenta a dívida. Dívida?

Vida é a devida dívida dividida em dúvidas. Sem juros.

Ostensivo paradoxo

Nasci adulto.
Sabia ler, tinha orgasmos,
Fumava e usava óculos.
Sabia mentir, fingir.

Ao nascer
Devorei minha genitora
E vomitei a consciência
Para não agir emocionalmente.

Devorei o médico
A enfermeira
E outros bebês
Para sobreviver.

Era eu um
bebê capitalista?

Vivi somente para meu corpo,
Meus interesses,
Minha fome,
Minha necessidade.

No entanto
Quando cresci
E me tornei criança
Me despi de tudo.

Aprendi a sorrir
A ser infantil
A fazer de pequenos instantes
Grandes momentos.

E vi, sim eu vi
Que a felicidade
Era um anjo
Disfarçado de mendigo.

Os que a desprezaram
Por sua aparência
Nunca obtiveram paz
Procuraram cegamente.

Procuraram na bebida
No jogo, no rótulo
No amanhã, e no maço
De papel timbrado.

Rodavam atônitos
Como insetos insanos
Sem nexo, sem valor
Sem piedade.

Quando deveriam
Estar ajudando-se
Mutuamente; embriagavam-se
De pensamentos tóxicos.

Poluíram suas almas
Com monóxido de rancor
E dióxido de mentira,
Substâncias letais.

Por isso nasci adulto,
Não havia tempo
Para a infância
Nasci pronto.

Prático e rápido
Como um delivery.

E felizmente cedo
Descobri a felicidade
Ela estava rota
Escondida no âmago.

Ser feliz
Não é “ter” feliz
Se fossemos mais
E tivéssemos menos
Viveríamos.

Não eternamente
Mas por átimos
De instantes
Seríamos perfeitos.

Como uma criança.

Efemeridade

O conhecimento, tão bem visto, pregado e aceito por todos, nos distancia de Deus.
O amor é o sentimento mais irreal, confuso, estranho e injusto que já existiu. Aliás, não existe amor.
As pessoas não sabem o que querem, mas querem, sem querer saber das conseqüências, tantas coisas.
Casar, comprar carro, fumar e beber é ruim. Porém todos fazem isso pelo menos uma vez na vida.
Olhamos, discutimos, criticamos. Entretanto, sempre temos dúvidas daquilo que falamos e pensamos.
Tememos muito a Deus. Dificilmente o amamos.
Queremos dinheiro, conforto e comida. Os outros não.
Vivemos, às vezes, em função de sonhos e objetivos. Quando os alcançamos não os queremos mais.
Temos vergonha de chorar e de abraçar nossa mãe.
Temos vergonha de nós mesmos.
Temos medo de tudo. Todavia, não assumimos o fato.
Somos melhores que o outro. O outro que se dane.
O cara que escreve este texto é um chato.
Religião é um saco. Estádio de futebol lotado, com confusões e um monte de homem suado, não.
Não somos nada.
Não somos ninguém.
Na verdade nem existimos.

Efemeridade

O conhecimento, tão bem visto, pregado e aceito por todos, nos distancia de Deus.
O amor é o sentimento mais irreal, confuso, estranho e injusto que já existiu. Aliás, não existe amor.
As pessoas não sabem o que querem, mas querem, sem querer saber das conseqüências, tantas coisas.
Casar, comprar carro, fumar e beber é ruim. Porém todos fazem isso pelo menos uma vez na vida.
Olhamos, discutimos, criticamos. Entretanto, sempre temos dúvidas daquilo que falamos e pensamos.
Tememos muito a Deus. Dificilmente o amamos.
Queremos dinheiro, conforto e comida. Os outros não.
Vivemos, às vezes, em função de sonhos e objetivos. Quando os alcançamos não os queremos mais.
Temos vergonha de chorar e de abraçar nossa mãe.
Temos vergonha de nós mesmos.
Temos medo de tudo. Todavia, não assumimos o fato.
Somos melhores que o outro. O outro que se dane.
O cara que escreve este texto é um chato.
Religião é um saco. Estádio de futebol lotado, com confusões e um monte de homem suado, não.
Não somos nada.
Não somos ninguém.
Na verdade nem existimos.

Cronos

Queria eu andar mais devagar;
Passear no passeio sem tropeçar;
Poder olhar a copa da árvore
E ficar ali, a contemplar,
Sem Ter que me desviar dos transeuntes.
Não em solidão, mas em tranqüilidade
Olhar as janelas curiosamente,
Ler anúncio por anúncio
E até as embalagens ao chão,
Cumprimentar aquele estranho;
Sorrir e respirar o ar,
Ou até cantar uma canção
Aqui mesmo, nesta cidade,
Não gostaria de sair daqui
Este deveria ser o lugar perfeito.

Queria eu não ter que correr
Involuntariamente para alcançar
O ônibus
E, com tantas outras pessoas apressadas,
Ter que dividir um espaço tão pequeno e disputado
Queria também poder dormir
Mais dez minutos sem que, quando
Olhasse no relógio houvesse passado duas horas e meia
E ter perdido a consulta no dentista.

Os minutos deveriam ser mais volumosos
Expansivos, calmos, menos ritmados,
Contar o tempo somente com batidas do coração.
Os dias atabalhoam e vulgarizam-se;
Tempo é dinheiro, dizem,
Mas há alguém lá em cima que está querendo
Que sejamos mais e possuamos menos,
Por isso encurta o tempo.

Queria eu dar mais um beijo
De despedida
Sem ter que acelerar ao máximo
O carro, para não chegar atrasado
Ao trabalho.
Parar naquela faixa
De pedestres para a senhora
Atravessar a rua calmamente.
Também comer e mastigar
Majestosamente,
E não engolir a comida toda (congelada)
Num só golpe (inclusive talheres e os dentes).

Queria ter tempo,
Rios, oceanos, constelações
Enfim, uma grande reserva
De tempo para ser e pensar.
Que o tempo não traspassasse
Nossas carnes e enrugasse
Nossas peles, fazendo-nos
Tão céticos ou simplórios.
Os dias passam atrelados
A uma hélice de exaustor
Que expulsa o tempo do tempo.

Gostaria de poder terminar
Este texto,
Mas não dá tempo.
Desculpem, estou atrasado.

A Noite

No meio da noite não há nada,
somente ecos ocos.
O silêncio é um grande buraco na escuridão.
No escuro há ausência.
Sincronizam-se as respirações;
o mundo repousa sob latidos
esporádicos e solitários de monstros desconhecidos.
Há medo espalhado pelo ar;
as sombras se multiplicam.
Ecos, de ecos penumbra de murmúrios,
há o infinito de o não ser no meio da noite
onde nada há,
somente o nada constrangido a não existir.
E na noite de sons ausentes,
esperamos o dia clarear
para que ressuscitemos
e comece o dia novamente.
Mas por enquanto,
a noite é eterna e fria;
Assustadora.
Os gritos entalam-se na garganta,
não haverão de se propagar,
a noite os abafará,
pois o nada reina
numa noite urbana de periferia.
Segue a noite em sua eternidade
sinistra e diluída em escuridão.

Antrorganização desumana

Um homem organizado
Num carro organizado
Com seus objetivos
E o semblante pesado.

Um trânsito ordenado
O tráfego pesado
Fumaça inodora
Sentido sem sentido.

O homem no sistema
Sistema organizado
A rima não varia
A métrica concorda.

O homem no contexto
Coerência de pobreza
Atado a seus quadrados
Depende da coerência.

E quebra-se a rima
Pois o mundo geométrico
É fruto imaginário
Patética carência.

Um homem organizado
Num carro organizado
Carrega na via, artéria do sistema
O carbono e o enxofre
Quando se quebra a regra.

O homem sim e não
O homem não humano
Sério e repetitivo
Num tom coercitivo
Renega sua existência.

O que o interessa é o concreto
E quando muito, um capital futuro
O homem rosto duro
Não sente e não geme
O homem nada teme.

O homem organizado
No palco organizado
No seu estado sólido
Convicto e intransigente
O homem não demente
O homem nunca mente.

O homem organizado
No seu contexto seco
No mundo organizado
( o qual pensa que controla)
o homem arrazoado
o homem proparoxítonoaleatório, insano, sem razão.

Bicho subjetivo – Objetivo de homem

Não quero ser máquina,
Quero ter o prazer e o direito de errar.
Uma, cinco, milhares de vezes.
Raciocínios lógicos e letais
Não farão parte de meu pensamento.
Poesia farta e contraditória
Sem nenhum indício de racionalismo,
Aberta, livre para ser,
Sem ter que se explicar.
Errônea, falha, humana,
Totalmente limitada;
Pra refletir bem o que somos realmente
E não no que desejamos nos transformar:
Máquinas saudáveis, infelizes e produtivas
Que engrandecem o capital
E financiam guerras, mortes. UMA MORTE!
Muitas, muitas e muitas mortes
Explicam bem a limitação do homem
Que, com o avanço da modernidade,
Segue uma lei feita por homens;
Lei da selva.
É. Infelizmente o paradoxo aqui não sou eu.
Racionais. Os meninos matemáticos encontraram
no limite da lógica o início de seu primitivismo.
Erremos; para o bem.

CFTV

Vejo pessoas conversando
O que discutem?
Vejo sorrisos superficiais,
O que escondem?
Vejo carros e avenidas
Placas e aflições
Desejos submersos e ansiedades externadas
Vejo o ar que carrega as paixões
Como num vulto dilacerado de volúpia indecisa
Vejo eternas meninas
E efêmeros casais
O quê transam?
Vejo as dúvidas das árvores
E incertezas das faixas de pedestres
Juntamente com a pressa de se ter pressa
De se antecipar ao que não é concreto.
Vejo tudo isso num lapso de impressões
Tudo isso estampado em ilusões escancaradas
Estupros de olhares tergiversados
Que se esquivam de onde não convém
Me vejo espatifado no externo, na grama pisada
Tentando universalizar um anti-ego
Que corrompe a moral sem desmoralizar a ética
Que se impõe furtivamente no lábio receptivo
Que soa na voz do pobre favelado
Reflito-me nas lágrimas de tetos trincados
Sem querer destruir as assimetrias
Me posiciono no centro da placa de advertência
E saboreio o sabor de estacionar no proibido
Levando a vantagem de não pagar a multa
Me situo nas ofensas de trânsito, transitórias
Percorro as vias arteriais duma rua que não é
Almejando alcançar a ribanceira
E atirar, atirar, atirar...
Cada torcida de pé, cada gota de suor
Eternizar
E nunca finalizar esse sonho maldito
Essa mentira, este insulto
Essa desgraça deliciosa
Essa vida, essa generosa
Incerteza.

Sua majestade, sua posse, seu trono.

Ele estava ali, às portas fechadas, sublime em seu momento íntimo. Os retângulos brancos, marrons e cinzas completavam soberanamente a plenitude daquele instante único. Um silêncio majestoso reinava sobre o aposento, parcialmente iluminado pela luz do sol, parcialmente iluminado à luz dos homens. Sobre a superfície daquela porta pairava um mistério, pois ela limitava a existência em suas faces opostas; soberana, a porta também imperava. Como fosse absoluta em sua realeza, não permitia que alguém sequer sondasse suas aspirações de guardiã convicta. Mas ele estava ali e , em seu esforço de rei capitalista, cuidava que ninguém ousasse pensar no que ele estava fazendo, nas forças que solitariamente reunia e deliberava involuntariamente sua vontade de eliminar aquilo sobre que seu reino se mantinha e crescia, mas que, em nome da boa e velha aparência, não era lícito executar publicamente. Em seu momento privado seus músculos se retesavam e demonstravam o poder que é sujeito um homem possuir.
Suas vestes privadas, não públicas, seu trono privado, sua vida privada de sofrimento e dor. Reis não sofrem, mesmo que sofram. As apresentações, sim! As aparências! Em seu reino de bosta um homem cagava e formava um mundo onde o poder aparenta, mas fede à merda.


Repimboca da buzanfa parafusefática

Segundo a teoria repimboca da buzanfa parafusefática, não há nenhum nada que não se esvazie, diretamente ligado à grande e terrível infutilidade inescrutável e maciça.
Mas em sua essência mastigável se subentende que a subestimação da subserviência excremental é abrupta.
As peremptórias pérfidas da repimboca frívola, psicotropicamente pungem furibundo o indivíduo nefasto que, impetradamente galhofa a sua falta de conhecimento e aplaude sem entender os graduados e sociólogos trôpegos que borbulham em sua boca demagógica a arte de nunca dizer exatamente a verdade absoluta.
Aplaudamos a ignorância!
Viva a corrupção!
Sejamos passivos diante da realidade de nosso povo!
Viva a globalização!
Viva a destruição!
Viva os críticos!
Viva os políticos!
Viva os magistrados!
Viva os retardados!
Viva! Viva!
Morra.

Questão

Deixaria eu de ser poeta sem a musa?
Amputadas as mãos e os desejos, quem seria eu?
Se me arrependesse do que faço quem teria compaixão?
Quem seria eu, se eu não fosse eu mesmo?
O que seria? Um objeto?
Um lápis quebradiço e fugaz?
A folha manchada de sangue esferográfico?
O pensamento abortado na sua origem?
O fim do impulso que dá origem ao pensamento?
Penso. Não existo. Sem cabeça quem há de pensar algo?
Sou apenas a sombra da sombra da penumbra
Alheio ao meu eu me mim comigo,
Sou o que está por trás do cenário da mente,
Quem ri de tudo e todos
O que cutuca a ferida só pra fazer jorrar o pus.
Sento-me, cruzo os braços e o espetáculo prossegue,
Não sou alguém. Não serei punido.
Deixaria eu de viver se parasse de existir?
Existiria eu se não passasse de um espermatozóide invocado?
Um gameta enxerido e insignificante?
Uma porra louca?!
Hein!
Imaginem, por um momento que não sou e não existo.
O mundo está melhor?
Estando melhor, retorno e estrago tudo novamente
Com o indicador sobre a boca e querendo rir
Rir da realidade, esbofeteá-la
Como um moleque sujo, travesso e indispensável
Pois, queiram ou não,
Sou poeta e nunca o deixarei de ser.

Papel

Trabalhei o mês inteiro
Inclusive os dias que não queria trabalhar
E ganhei um punhado de papel.
Papel para comer
Papel para ir e voltar
Papel demonstrativo
Papel para gastar.

Tô cheio de papel,
onde está a riqueza?
Não digo de enormes quantidades
Mas, batalhamos por um maço de papel?
Só papel?

Desde criança tentei entender
A aflição de minha mãe
Quando, ao lavar as calças de meu pai
E esquecer de revistar os bolsos
Lavar o papel junto com a roupa
E, quase desesperada, ao constatar a lavagem,
Pôr os papéis para secar, no varal.

“Homem feliz é homem cheio de papel”

Continuo a labuta sem entender
Como vivemos apressados caçando papel;
Papel, papel, papel.
A humanidade inteira o almeja ardentemente
Seja para matar a fome,
Seja para matar o próximo,
Seja para curar a vaidade
E também o orgulho.

Quanto mais se tem papel
Mais papel se quer.
É o fim para que serve ou o próprio papel em si que seduz?
Mas, como o sistema é forte
Vou me virando com o papel que tenho.

Por enquanto
Vou desfrutando do papel só pra escrever,
Relatando dúvidas e dilemas
Sem pagar dívidas;
Redijo poemas
Redigo problemas
E tento criar minha própria riqueza
Ilusoriamente real
E somente ilusória para os materialistas.

Papel, papelinho, papelão
É o que todo o mundo quer
É o nosso mundo fraco, vão.

Lágrima

A dor que punge e rasga a alma
É o sofrer, sofrer sozinho
Em todas as ferpas do caminho
Não ter alguém, nenhum carinho
Que console o menininho.

A ferida tocada
Sangra, e se dilacera
Em sua essência desgraçada,
Nada alivia a dor; punge.
“Eli, Eli, lama sabachtani”

sofrer a dor na hora certa
saber sofrer, romper gemido
até chorar, se permitido
derrame a lágrima,
chore o pranto
derrame a dor,
sofra. Calado.

A dor só cabe a quem sofrer

A lágrima, portanto
É o resultado, o produto
De um conter sofrido
De um pranto desalentado
Uma vontade de abraço
Sem os braços ter pra si.

Possível é um pranto sem lágrimas,
Mas da dor a lágrima é a beleza;
O desaguar eruptivo
Da introspeção do choro
Que lança para fora
A salgada tristeza
Do pranto completo e verídico.

Válvula de escape para a alma.

Deixem o menino chorar.
Só.
Sentado num tronco
Rotos os vestidos
Sem fome, sem problemas
Deixe-o que chore.
Só.
Sofra menino. Só
Permita que o choro quente
Queime o rosto,
escorra,
escorra,
escorra,
e chegue ao chão,
onde irá secar
Só.
Onde irá secar
Simplesmente e só
No chão. Só
Sofrer.

Lirismo

Mãe, sinto dizer-lhe, mas
Sou autista.
Encimo-me em meu eu,
Não um eu narciso,
Mas um eu aprofundado em si,
Introspectivo, intrínseco, lírico.
Eu caído em mim,
Como um buraco negro
Que cai sobre si mesmo
Sugando-se para o interno
Na ânsia de se defender.

O mundo de fora é cáustico,
Os pés esmagam o chão pesado,
Áspero, duro de pisar
Por isso decidi buscar a mim.
Volto de onde vim.
Volto para a causa, fugindo dos efeitos,
Divagando abro caminho sem fim
Pra outra dimensão,
A dimensão da alma,
Que aquece o ser, acalma a chaga
Da busca daquilo que não encontramos;
Em tudo procura-se, mas não se acha.

Com um blefe agora tento a sorte
De me encontrar comigo mesmo
E discutir com espelho lírico.

Espero que não seja trágico,
Mas agora, desligo.

Inesperado

Após muito pensar,
Finalmente descobri
Algo que não conhecia.
Não era a morte,
Era eu.

Era um mundo devastado
Com milhões de pessoas,
Que também tinham mundos dentro de si.
E assim, sucessivamente,
Infinitos.

E quando no cúmulo
Do absurdo ininteligível,
Foram-se os mundos aprofundando
E chegou-se ao átomo,
Tive uma surpresa.

Todo o universo
Era contido
Numa só partícula,
Acreditem ou não,
Um átomo.

Um único e trágico
Átomo.
De súbito e pródigo
Átimo.
O cúmulo e ríspido
Único.
Um rápido e lógico
Ínfimo.

Era um átomo um átomo
Um átomo um átomo
Um átomo um átomo
Era um só um
Átomo um átomo era
Um átomo um átomo
Só um átomo era um
Átomo.

O universo é um átomo,
E, junto com outros átomos,
Planetas, astros,
Galáxias, super novas,
Meteoros, monolitos,
Cometas, órbitas,
Satélites, buracos-negros,
Constelações e nadas,
Formam um ser.
Esse ser
Sou eu.

Eu era um átomo,
Teimoso e espelhado
Que pra fora refletia a mim,
E introspecto refletia nada.
Eu era nada.

Era um átomo de nada,
Um nada de universo,
Universo do ser,
Um ser átomo,
Universalmente átomo do não ser.

Impressões

Hoje eu acordei;
(como de fato se acorda)
olhei pela janela do ônibus
e duvidei
duvidei daquelas moças
e daquela imagem impressa que me percorria
duvidei daquele sangue lavado, esquisito, invisível
questionei, sem filosofar
a fisiologia de um pensamento
que me incitava a descuidar da existência
do sangue de barata
da fumaça obrigatória.

Engoli saliva ponderativa
Disritmia de mente sem controle
Despadrão de um despropósito disparatado
Não era poesia, gente
Eu não sei dizer o que era
Tampouco se era realmente
Pois não enxerguei
Nenhum verbo de ligação
Que pudesse estabelecer a pobre, estranha, limitada
E ridícula coerência.

Eu fui; não pelo caminho do vento,
Mas pelo caminho do esgoto
Vi beleza na triste e sórdida azulidão
Gostei dos erros gramaticais, de sintaxe e morfologia
Porque, para mim,
Isso tudo é uma coisa ruminada, ralada e mofada
Cheia de penicilina, de faíscas encalacradas
Cheio de FURO NO OLHO, PORRA!

Me solta! Me deixa aqui
No cantinho úmido.
Vocês têm uma mania feia
De padronizar a higiene!

Ah, sim! Aí eu achei um vácuo de sentimento
Um negócio de momento
De escapar do tempo, templo da cronometragem.

Gritei no particípio
Infinitivo do desespero aleatório,
Sem máscara o sangue escorreu
E me deixou nu.

Vaguei pelo espaço
Na dança cósmica do balé acidental
E fui girando, girando, gerúndio
Até que o ônibus capotou
E girou no sentido anti-horário
De todas as nossas estúpidas convicções humanas.

Gota

A vida é tão certa como a gota suicida que se lança das alturas para encontrar-se com o querido solo. Milhares e milhares delas buscam o seu destino, passivas, conformadas; nenhuma sequer ousa arriscar ir de encontro ao céu pois será esmagada ao tentar correr contra o sistema. Todas as gotas devem somente cair. Sem se despedir uma das outras, sem qualquer tipo de cerimônia ou ritual. Ela descobre que não deveria ter feito tal somente depois que está em queda livre a muitos quilômetros por hora, de encontro ao seu destino traçado por um itinerário fácil. Cair. Tarde demais para se arrepender.

FATO

Uma força estranha me puxa à mesa
Quer que eu explique porque o tempo passa
Faz grudar em minha mão uma caneta nova
Que não é minha; e me faz explicar o tempo
Ontem mesmo eu era uma criança de seis anos
No entanto aconselho e escuto os mais velhos
Todos vêm e sentam diante de mim, contando seus segredos
Como se eu pudesse resolvê-los.
Tenho ânsia, meus dedos já doem, a letra sai torta,
E os pensamentos tumultuam-se em minha mente
Incendiada, revirada, pelada, errada
De nada sei, busco o desconhecido
A sombra pra sempre imita a luz escurecida
Como um espelho preto que reflete o negativo
Doem as vistas; escrevo freneticamente
Sem saber se quando leres isto conseguirás sentir a minha dor
Sinta a minha dor,
Na minha rodovia tinha um pedágio
Tinha Carlos Drummond de Andrade
E não tinha nenhuma solidariedade
Tinha impostos caros e justificados
E crianças desinteressadas, sem futuro
Querendo fumar o primeiro cigarro
Achando que ser adulto é algo bom
Mas estão redondamente enganadas
Quando crescerem desejarão o passado,
O que não é um bom pensamento
O humano não sabe o que quer
Ou não quer saber se é humano
E esquece-se de Deus
Firma-se em um maço de papel impresso com a assinatura do presidente do banco central.
Deus seja louvado,
Não em notas de papel contaminado
Mas no coração dos homens, crianças, mulheres e idosos.
Que esteja em nossos corações,
E não num crucifixo
Que nos faça respirar
Que nos faça ser.
Deus seja louvado.

Escuridão, frio e desequilíbrio

Livros no chão,
Retrato de um poeta esquecido
Que embora lutara para viver,
Na memória de muitos não existiu.

Lembranças manchadas,
Que com o tempo aniquilam-se
E voltam após algum tempo
Como parte de um passado vazio.

Gotas solitárias,
Que explodem ao cair no chão
E que não fazem diferença alguma
Por serem apenas gotas.

Pequeno esquecimento
Algo inferior e sutil
Que não mata por onde passa
E sabe que não está sendo notado.

Pequena individualidade
Mero descaso, pura ignorância
Dura realidade, vaga lembrança
Um isolamento e nenhuma esperança.

Ficar imaginando, se pode se imaginar
O escuro da matéria
O toque no vagar
O deserto do nunca
O nunca do estar.

O grito ecoado
Para o nada viajou
Desde sempre foi embora
E nunca mais voltou.

Escolha

Limitei-me a uma casca maquiada
No auge da tragédia que meus olhos abriram
De um lado a morte. Do outro o aniversário de um filho
Tive que escolher entre viver e deixar de existir
Da fraqueza, mais fraca ainda, forças imaginárias
Suplantaram aqueles suores e vômitos misturados
Que borbulhavam em meu ser.

Na primeira maquiagem, tive o ímpeto
De rasgar as peles, de despir a alma
De me abrir ao meio e me espalhar no mundo
De diluir o grito e bater no padre
De fugir. Fugir do nada,
Do desconhecido.

Sou palhaço, palhaço-poeta
O trágico-cômico
Que da desgraça risos arranca
Que ri de si mesmo
Que inventa o amor ao gosto
Do meu pensamento.

E naquela fotografia
Intacta, de família
Ri e chorei ao mesmo tempo
Ri e chorei
Ri e chorei
Ao mesmo tempo.
Ao tempo da trágica maravilha de ser. Ser poeta.

AMPUTADO

Do meu peito a inspiração bateu a porta
E às palavras me deixou abandonado,
Vento frio; dia sem sol, prazer quebrado,
Afogado em dor pungente a alma corta.

Se ao menos o meu violão tocasse
E exprimisse em arpejos o silêncio
E a pausa impetuosa. O silêncio.
Vil mistério de quem se calar comece.

Tocaria em acordes de harmonia
Os prelúdios de minh’alma quebrantada,
Ou chorinho de beleza agraciada,
Seja música de timbre e melodia .

Arrancar da corda morta dissonância
E fazer vibrar os pensamentos puros
De tal forma que os sentimentos duros
Se embalem numa tensa ressonância.

Violão; do corpo é o membro decepado,
Sua falta só castiga o trovador,
Pois sem ele não expressa sua dor,
Sofre só; e em seu sofrer sofre calado.

Conteúdo de uma forma

Traço
Do risco um ponto do nada
Puxo a reta, estico
Haja forma, ângulos
Cria-se a imagem
De si só se forma e existe
Ponto de fuga
Fugir da razão, usando-a
Para exprimir uma forma amada.
Casinha de esquina
Porta, janela, telhado
E uma linha do horizonte infinita
Por ser descoberta
Dos riscos nasce
A forma
Extensa
Intrínseca
E eterna.

Conversa

Aqui estou sozinho mais um dia
E o vento acompanha meu compasso
O frio me anuncia que tardio
É o pó que dominara todo o espaço.

Deixei-me dominar pelo descaso
Me entorpeci ao ver o mundo posto
Em pedras que apoiam-se ao acaso
É fútil esconder o meu desgosto.

É pobre, eu sei, este poema mudo
Mas vou manifestar a minha ira
Calar-me e vestir meu sobre-tudo
Que livra-me dos lábios da mentira.

A noite escurece o que era claro
E logo leva toda aparência
À Terra cobre com o seu manto raro
Num leve toque de sutil prudência.

Sou filho adotivo desta puta
Que cuida de sua prole com carinho
Até quase atingir a fase adulta
Pra’então depois chorar por seu menino.

Meu choro eu guardei sem piedade
E omiti sem dó meu sentimento
Então eu esmurrei a liberdade
Pois quis interferir no meu intento.

Eu deixo pra depois a alegria
E me desmancho em letras de caneta
Aqui estou nesta calçada fria
Em mim não há nenhuma maçaneta.

Sou todo pó e sou nenhum ninguém
Me afogo em mim tentando esquecer
Que a raça humana pensa que também
Pra ter a vida basta só nascer.

Eu tento terminar este poema
Calar-me agora, e mui sutilmente
Por um ponto final neste problema
Senão vou escrever eternamente.

Descoberta

Morte,
Antônimo de vida
Vácuo de existência
É o flagelo que aflige
E confunde o ser,
Quando, no melhor da festa
Desliga os disjuntores
E deixa reticências. . .
Descrevê-la
E refletir seu luto
Somente com caneta preta
E papel branco
Para o nada representar.
Talvez, o nada seja a porta
Do desconhecido
Que todos deverão
Atravessar um dia.
Após a morte
A matéria é matéria
Podre, desintegrada
Cadeias de átomos
Que voltam à origem
Do não ser.
Certeza única
Fim da linha;
Desmaterializada.
Não há ego
Que resista
À morte.
A própria morte
Não existe;
E deixa fazer de existir
Quem ousar
Tocar sua face,
Ou andar pelo seu vale
Sem fundo, sem fim.
Espelho ao contrário
Realidade de costas
Igualdade dos seres
Não ser.
Infinidade compacta
Que devora o tempo
E indigna os espectadores.
Expirar,
Quebra de sintonia
Entre corpo e alma
Divórcio definitivo.
Caminhamos para a morte
Inocentes, ansiosos
Inconstantes, curiosos.
Choramos nossos mortos
Sem saber o motivo.
Sendo que a própria morte
Nos dá a luz
Começa-se viver com ela
Aos poucos;
Sorrateiramente.
E nossa mãe verdadeira
Um dia
Volta
E recolhe-nos ao seu ninho
Para iniciarmos
A vida
Em outro lugar.

Erro

Assim nasceu
Se revoltou
Quando cresceu
Não demorou
Matou o pai
Envergonhou.

Fugiu, correu
Desesperou
Caiu, bateu
Desperdiçou
Quase morreu
Inevitou.

Chorou, bebeu
Embriagou
Rodou, Morfeu
Enfatizou
Entorpeceu
Interditou.

Gritou é meu!
Vou a Moscou
Entrou, - Sou eu
Adiantou
A sua casa
Não aceitou.

Síncope

Bossa nossa
A nova vida se colore
Em tons, verdes tons de samba
Um rap preto
E um techno cor-de-laranja

A vida cromatiza
A escala do tempo,
Num bemol o passado
Susteniza o futuro pentatônico

Isso! O jazz-futuro é aleatório
E a dissonância harmônica do mundo
Baseia e dosa a efemeridade
De um rock comercial

Ah! Mas a tristeza é um blues!
Suas sétimas menores
E teimosas, e francas, e dolorosas
Incidem na alma um grito rouco
Grito de existência e melancolia

Bossa vida nossa
Um Vinícius, um Tom
Um Jobim Maior
É uma nona entorpecida
Que nunca quer se acabar

Vai chegando a sétima de dominante
Sente-se que a tônica está próxima
E, na mesma nota que começa
O tom maior
A vida, nossa bossa, bossa velha
Ou usada
Se encolhe, se entrega
Se fecha

O maestro levanta o braço

Agoniza,
E morre.

Tempo

Da vida o motivo não sabemos.
O que será de nosso destino?
O tempo perdido nós não vemos,
Entenderá o passado vespertino?

Do sofrimento que antecipa a ação
À ocasião que não se realiza
O momento que suscita reação
Do pensamento que não se formaliza.

É a guerra que silenciosamente,
Nos prende, nos mata, nos congela
De maneira que, misteriosamente,
O sentido da vida nos revela.

Viver agora ou agonizar iremos,
O instante que ainda não chegou
E ao fim nós entenderemos
(a)o que realmente a vida nos levou.

Silêncio

Eu venho aqui para lhe falar,
Mas há um inconveniente:
Não tenho palavras.
Ouça o silêncio que não nos rodeia
Mas que habita dentro de nós
O silencio que não existe
Esse quase nada que não perturba.

Já não tenho olhos para perceber
O que há em cada mente,
Onde há muralhas
Sinta o frio, seja eu, eu mesmo
Pegue a caneta e deixe deslizar,
Depois abra os olhos
E veja o silêncio escrito.

Certamente serão palavras soltas
Tão soltas que cairão do papel
Pensamentos ocultos, macios
Delírios, devaneios, sonhos
Viagens, fantasias, soluços;
Toque minha alma e sinta
Essa total ausência de som.

Tão omisso que me entorpeci
Perceptivelmente oculto emudeci
Quero atravessar essa parede
E ver junto com o espelho
Tudo, todos, gritos, melancolias
Degustando com voracidade
Essa total ausência de existência e realidade.

Razão de um

Raciona a razão de,
Ração de raciocinar
Racionalmente racional.

Raciocine raciocinador!
Racione a dor
Dor de ser frio, objetivo e contundente.

Maquinize o ser,
Seja exato
Como um retângulo.

O poema é torto
Ah! É torto sim!
Isso terão que aturar!

O sentimento de parto
Não hão de me furtar
Poesia, poesia, poesia.

Sem lógica, sem nexo
Sem proparoxítonas coerentes
Sem razão!

Louvo a alegria de ser
Inexato e aleatório
Um comediante irônico,

Um retardado eufórico
Um maluco, como dizem:
Mas poeta.

O tempo

O louco cavalo em trote atropela
Devora as eras saltando os milênios
Semanas e meses, bimestres, decênios
Consome voraz quebrando a cancela.

Os dias e horas só têm um destino
Olhar para a frente seguindo o cavalo
Que corre sem freio, seu casco é um calo
O crono-cavalo em seu desatino.

O bicho-relógio ataca os segundos
Que são mui pequenos, que não voltam mais
Agora, já mesmo, ficou um pra trás
Metrônomo ímpio que guia os mundos.

Tem sede de agora o tempo animal
Está sempre em busca de outro minuto
E, quando o alcança, já tem outro vindo
Que já ficou velho; o que procura afinal?

Nudez

Empunho a caneta sobre a mesa,
Pra me despir de toda vaidade
Será que minha alma sai ilesa
Sem omitir alguma inverdade?

Primeiro me desfiz da tolerância
Vertendo cruelmente paciência
Agora me debato, tenho ânsia
Vomito de repente a prudência

E num descuido pobre da mentira
Eu hei de esmurrar a falsidade
Humilharei o ódio e com ira
Odiarei no pó a humildade

Despido eu me sinto à vontade
E não me prendo a poucos rudimentos
Critico sem pudor a humanidade
Desobedeço todos mandamentos

E livre estou agora da tristeza
Que invade o pensamento vagabundo
Errando então tropeço na franqueza
Em pele passeando pelo mundo

Da folha de papel, cumplicidade
A mão só me recita o testemunho
Que pouco ou nada tem veracidade
É fruto imaginário deste punho.

Alfa, Beta & Letras

Algo que nos atormenta são palavras
O mundo inteiro contagia-se com tantas
Até o pensamento usa tais matracas
Prantos de caligrafia, letras santas.

Repertório de letrinhas aguçadas
Consoantes, dissonantes, “escrevidas”
Refeitório de alminhas dissecadas
Ansiosas para serem consumidas.

Em sua força se detém a inteligência
E o poder de transferir pra outro vaso
Seu excesso pode produzir demência
Mas não podem ser deixadas ao acaso.

É a Eva da sabedoria humana
Mãe de todos os registros anotados
De suas asas o conhecimento emana
Conhecendo os pensamentos relatados.

Apenas

Olho para o longe,
Além donde posso ver
Miro um certo monge
É o espelho, pode crer.

Trago o horizonte
Irreal e indiferente
Divago sem ações
Rubras sensações.

Gritos silenciosos
De pura vaidade
Pensamentos ociosos
Fútil raridade.

Desabo perene
Minha fiel Irene
Que não é Maria
Essa louca Poesia.

Areia, grão de areia

A eternidade das coisas
é curta olhando-se de fora;
entre um segundo e outro, tempo,
o segundo que pulsa, quebranta;
intermináveis pulsações seqüenciadas
alteram e modificam a matéria
que já não é a mesma,
vítima de um segundo ávido
já não reconhece sua imagem,
ao se tocar sente corpo alheio.
O segundo tem por meta
física ou objetiva; alcançar
o primeiro que não existe, e dá-se ao trabalho
de rolar a pedra
até o topo da montanha;
em seguida despenca
reiniciando o ciclo
num incansável esforço repetitivo.

O segundo é tão ávido
que não é possível batizá-lo;
morre logo após
dar seu grito de existência,
não fica na memória
mas de suas entranhas precoces
nasce outro segundo morto,
que dá seu gritinho e se vai,
solitário.
Que o próximo segundo seja...
caem no buraco cheio de nada,
montanhas, multidões
de segundos que se foram,
todos obedientes e precisos
porém, mortos após dar a única
pulsada de suas vidas.
O segundo não dá-se ao luxo
de dividir-se; antes vem do nada
à toda, estatela-se
na parede da realidade
e cai;
um após outro,
infelizes,
sem glória, sem égide,
sem história, sem pai,
suicidam-se para formar
algo maior, majestoso,
séculos, milênios, eras,
dimensões;
formadas pela insignificante eternidade de segundos jogados
ao léu.
Incluamos segundos
em nosso cardápio
para que vivamos a vida
a cada segundo eterno e constante.

Chuva

O orgasmo se despeja em torrente,
Um orvalho furioso em tempestade
Chove a chuva inesperada e valente
Lava corpo e alma com insanidade.

Veemente voz clamada entre nuvens
Resultante grito, nimbos estressados
Ecoando o som da voz de muitos Rubens
Chove chuva chuva chove, mal lavado.

A gotinha saltitante e suicida
Obedece a voz do cirro irritado
Despejando-se põe fim em sua vida
E dá vida ao espetáculo molhado.

Alagando os sentimentos escondidos
Plic. Plic. Chove chuva no telhado
Lava. Lava os meninos encardidos
Vai lavando o mundo todo do pecado

Acumulam os cogumelos nas esquinas
Guarda-chuvas de varetas quebrantadas
Que protegem do batismo as meninas
Hidro-fóbicas se escondem apavoradas.

A bonança que sucede o fim da chuva
Escoadas as alamedas alagadas
As pessoas já retornam para a rua
E retornam às suas vidas ressecadas.

Vidas secas; de tão secas estão rachadas.

Te cutuco

E o decote entrecortado no boteco do batuque,
Entremeia a tragédia da tristeza entrevada
Ativado o titânio do tutano enlatado
Recordando o recato da cativa decotada.

Retumbando o bolero da barbicha enrabichada
Que num passo de profano profetiza a palhaçada
Dedicando ao recorte do decote encucado
Uma missa amistosa de maçante magistrado.

Avistado o território do terrível destemido
É possível aproveitar-se de paródia irresponsável
Afinando o fagote da família inefável
Retocado no cortejo da cantiga encantada.

Rediscute a cadência do tecido recortado
Abastado de beleza esboçada e abundante
Salpicado de pedaços de pecado suplicante
Cativante corte casto de verídico recato.

Cultuada a cultura de carência do decote
Repingada em pano puro de aparência apreciada
Que bonito atentado, que tendência de fricote
Recortamos os decotes, nos belisca a namorada.

Poesias

Não são apenas letras que comovem,
São emoções pungentes que escrevem
É a mais intrínseca ligação
Entre alma, o corpo e o coração.

Quando o poeta não consegue se expressar
Só lhe resta aos delírios se entregar
Ouvir o silêncio e entendê-lo
Seguir simplesmente o seu modelo.

Não há de se forçar a tal palavra
Poesia é uma coisa vomitada
Só se deve descobri-la em voz tácita

E não colher do chão a paz perdida
Pois pode ser que ela seja trágica
Ou pode ser que ela perca a vida.

Poema aos poetas

Redigindo tudo sobre nadas
Às vezes concretos, às vezes nem tanto
Divagam as aflições exacerbadas
E gritam ao mundo seu pranto;
O pranto é concreto, um pouco líquido,
A razão do pranto é a emoção contida
Que sob a pressão do mundo ríspido
Explode. Em letras e espaços vazios
Procuram o que dizer para expressar
Suas imaterialidades altamente subjetivas
E inocuamente nocivas,
Tal qual um docílimo paradoxo literário.
Bradam ao mundo manchando folhas
E esbanjando tinta de caneta.
Poetas. Homens angelicais
Que no meio da guerra param para
Pensar. E pensam, pensam, pensam.
Ora mastigam a tampa da caneta,
Ora somente pensam;
E nesse pensar duro e incômodo
Revelam a beleza e as atrocidades
Que estão no recôndito do ser.
Aos poetas,
Mil palavras.

Parto poético

Ah! Depois que pari aquela poesia
Acabaram-se as minhas forças
Fiquei pusilânime e lânguido
Quando o prazer passou.

Escrevia frenéticos versos
Versos de loucura incontida
Até que ejaculei um texto sujo
Cheio de erros gramaticais e rabiscos.

Este rascunho era espelho
Foi tudo o que pude ser em um momento
Me via nos erros, nos borrões
Fracamente humano e limitado.

Mas a poesia não!
Ela era perfeita e soberana
Era tão nobre que não pude a ler novamente
Vomitei-a inteira, já vestida e beatificada.

A caneta quebrou, o papel pegou fogo
Mas a poesia não,
Apenas desprendeu-se do papel e diluiu-se no ar
Inspirando outros e incrementando sentimentos.

Após conceber aquela poesia
Adoeci e morri
Mas ela permaneceu
E permanecerá eternamente
Na mente quente de algum poeta ensandecido
Como este que vos escreve.

O texto que não aconteceu

Recita os versos nunca publicados
Poeta pobre que não eclodira
O tédio come as carnes que roera
Sonetos que já nascem constrangidos.

Sonha os sarais não ocorridos
Lamentando pelos erros de pronúncia
Sofre antecipado as minúcias
Pelos erros que não foram cometidos.

Se debate em devaneios de poeta
Reclama, arranha um poema duro
Se lhe falta inspiração, o que o completa?

Só lhe resta duvidar, ir ter com o muro
Sem suspiro, nem palavra, nem profeta
Já critica com vigor o homem puro.

Nitrato de poeticida

“Onde estás palavra minha? Apartastes de mim tua beleza?”


Aborto literário
É o poema recusado
Palavra proibida
Pensamento rasgado
Herança perdida.

Gametas poéticos
Não fecundados
Mortos, decompostos
Antes mesmo de serem vomitados
Morrem nus.

Perdem-se na mente
Vagando por neurônios
E bloqueiam sentimentos.
Idéias nefastas,
Perdidas;

Quando escritos
Vêm pela metade,
Irritam o poeta,
Fazem-no sofrer
Sem métrica.

A única solução
É rasgar a folha
Matando os prantos,
Ocultando a incompletibilidade
Dos pensamentos incertos

Pré idéias
Que algum dia voltarão
Mais maduras
E talvez até
Com outra visão.

No entanto, agora
É necessário abafar
A palavra crua
Pra outra hora
Ser eclodida.

Ou até matá-la
Com um tiro na ortografia
Decepar-lhe a gramática
Amputar a caligrafia
Dramática.

Crime poético,
Palavra morta,
Idéia perdida,
Desconstruída:
Poeticídio.

Inócuo sujeito oculto

Um dia as palavras acabaram
Aí eu espremi as que sobraram
E apanhei aquelas que esqueceram
E copiei algumas que inventaram
Não censurei as novas que fluíram
Pois o meu pensamento estremeceram
A minha poesia encorajaram
E o meu sentimento enalteceram
O medo da escrita destruíram
Novas idéias elas avistaram
Uma filosofia sucederam
Um viaduto tosco interditaram
E no meu colo pio adormeceram.

Um dia as palavras inventaram
A minha poesia construíram
E o meu sentimento sucederam
Um alfabeto novo encorajaram
Aí eu espremi as que fluíram
Não censurei as novas que sobraram
O medo da escrita interditaram
Um viaduto tosco avistaram
Novas idéias elas acabaram
E no meu colo pio enalteceram.
Uma filosofia estremeceram
Aí eu copiei as que esqueceram
Pois o meu pensamento entenderam.

Um dia as palavras avistaram
Uma filosofia construíram
A minha poesia enalteceram
Num viaduto tosco elas fluíram
E o medo da escrita esqueceram
Espremi as que adormeceram
Não censurei as que interditaram
Novas idéias elas sucederam
Aí eu copiei as que acabaram
Apanhei no chão as que sobraram
Um alfabeto novo entenderam
E o meu pensamento encorajaram
No meu colo pio reinventaram.

Uma palavra nova construíram
O medo da escrita adormeceram
Aí eu copiei as que fluíram
E apanhei no chão as que acabaram
Um alfabeto tosco inventaram
A minha poesia entenderam
E o meu pensamento enalteceram
E o meu sentimento encorajaram
Um viaduto novo estremeceram
Uma filosofia interditaram
Novas idéias elas esqueceram
Não censurei as poucas que sobraram
Pois no meu colo pio intercederam.


Um dia as palavras acabaram.

Diz que são – Dicção – Diz que é

A etapa tapa o tapa tapado na cara do cara
Canto no canto do recanto encantado o cântico quântico
Paro e deparo-me com paradoxidade para o Pará
Fito a foto fútil fotografada em proparoxítonas fictícias
Bebo bebida babada embora o barmam é bêbado também
Fixo um táxi complexo sem nexo. Sexo, sexo, sexo; desconexo
Digno um indigno dignitário de indignar-se dignamente
A imputabilidade do deputado computa a sua reputação
Cesso sem sucesso essa sucessão incessante de insucessos literários.

Poema de alvenaria

Lógico
Fórmica
Médico
Mágico

Público
Cálido
Tráfego
Rápido

Tártaro
Músico
Príncipe
Flácido

Método
Trágico
Túmulo
Pálido

Quântico
Trânsito
Pântano
Bêbado

Sábado
Fígaro
México
Náufrago

Ônibus
Bárbaro
Cético
Válido

Próximo
Múltiplo
Tímido
Tático

Átomo
Báltico
Dívida
Tóxico

Tônico
Púrpura
Ínfimo
Étnico

Último
Pródigo
Úmido
Ótimo

Pássaro
Fígado
Rígido
Cérebro

Ártico
Súbito
Místico
Bélico

Plástico
Fétido
Músculo
Prático

Único
Térmico
Mórbido
Métrico


Póstumo
Lápide
Cúmulo
Bípede

Clássico
Ríspido
Mínimo
Lático

Ácido
Épico
Único
Árido

Drástico
Máquina
Cívico
Fátima

Químico
Tétano
Ímpeto
Pânico.

Desdém

Desapaixona, desama, desanda,
Desri, deschora, desalegra,
Desescreve, desaprende, desvive
Desespera, desarruma, descansa,
Desmotiva, desolha, desmorre,
Desencanta, desliriza, desobjetiva,
Despoetiza, desdobra, desalmeja,
Desinteressa, desaponta, descaminha,
Descomunga, desabita, desfaz,
Desclareia, descolore, desincha,
Descontrola, desalma, desmetrifica,
Descrê, despensa, desnamora,
Desacostuma, desexige, dessonha,
Desinventa, desmitifica, desgraça
Desamarra, desmata, despunge,
Desidrata, desacata, descarta
Descarta despoesia desgraçada.

A cama

A cama ri
A cama olha
A cama quer
A cama pula
A cama geme
A cama ama
A cama, a cama

A cama sua
A cama grita
A cama engana
A própria cama
Come cama
Come cama
Ela entrega
A cama entranha

A cama gosta
A cama sente
A cama baba
uma demente
A cama abala
A cama arranha
A cama arranha

A cama linda
A cama é boa
A cama é breve
A cama à toa
A cama é quente
A cama entende
A cama chama

A cama dá
A cama tem
A cama senta
Vai e vem
A cama gente
A cama dama
A cama enchente

A cama estranha
A cama ganha
A cama inflama
Queima, a cama
A cama treme
A cama ânsia
E goza a cama.

VIDA

Vida ida envidada
Vidazinha endividada
Vidão, vidérrima
Videira, vidente
Vidíssima, não vida
Quase vida
Envidraçada.
Vidologia
Vidismo
Vidóide
Vidança
Devida
Vide a vida
Viva a devida vidazinha endividada
Vida Vida Vida Vida Vida Vida Vida
Ida vinda vida vinda ida vida acabada
Vidavivevivaviver
Viva a vida!
Vinda vida
Vida ida
Vida nada
V – I – D – A
VIDA
Vida.

A mão

A mão que esbofeteia e acaricia
Que toca e vibra as células sublimes
É a mesma que sustenta os pulsos firmes
Culpada pelo tato e poesia.

Pois digo e replico: - Ela é culpada
Por tanta alegria e sofrimento
Por transformar em lei cada momento
Bradando e protestando, à voz calada.

Sem ti eu só seria meio homem
Pois quem traduziria os pensamentos?
Que não caligrafados logo fogem

Que se passam e diluem os sentimentos
Ó mãos! Console’ agora minha alma
Esmurre-a ou louve-a com seus cantos.

Afrodite

Deitada em sua cama a moça bela
Ressona em seu sono de princesa
A mestra da doçura e da beleza
Repousa à noite, calma e singela.

Envolta em finos trajes de candura
Flutua a linda flor e resplandece
Ao seu reger o mundo obedece,
A brisa sobre si leve murmura.

E quando despertar deste enlevo,
E suplantar aos pés a meiga lua
Criando para si um mundo novo

Brilhando em megatons a moça nua,
Me tomará pra si como esposo
Ou me amará insana em meio à rua?

Arquiteto - Homenagem a Marco Antonio

Rabisca em seu rascunho o arquiteto
Mil idéias que traceja com encanto
Munido de um esquadro faz um canto
Perspectiva de traçar ângulo reto.

Com destreza vai traçando um ambiente
E liberta sua angústia mais profunda
Que da alma o Dom traçado é oriunda
Tão sensível que as formas compreende.

Suas formas são perfeitas e singelas
Sintonia entre o prático e o conforto
Que dá vida ao cimento e ao bloco morto

Que constrói de bangalôs a mansões belas
É o talento de ser deus por um instante
É das formas incondicional amante.

Corpoesia

É poesia humanificada
O corpo santo dessa moça bela
Beleza pura, sacra e singela
Que reluz e encanta a madrugada.

Em versos puros tento traduzi-la
O seu encanto e seu lábio franco
É muito mais que um momento
É tanto mais que vã palavra.

De tal beleza me embriago
E me apaixono a cada dia
Ela pertence ao meu âmago

E refaz minha alegria
Em versos, ouso, divago
Essa humana poesia.

Soneto caótico

Derramou seu coração perante margaridas hilárias
E fumegou de medo ao saber que eram falsas
Trovejou e retorceu de maneira monetária
Depois entendeu que sua vida era flácida.

Quem não tem o que fazer escreve idéias anônimas
Porque sente que as pessoas são tragédias cômicas
E entende que a vida é uma velha irônica
Que segura gaze, bengala e bomba atômica

AÇO, AÇO, AÇO: o forte é nossa rima!
Quero que apenas você morra, hipocondríaco
O tédio que vale por mil interesses. Coisas, coisasNão entendo, porém não preciso. Só quero voar

Soneto de dedicação

Dedico a uma dama este soneto
Magnífica e de mente abrilhantada
Por fora mera moça recatada
Por dentro coração irrequieto.

O riso de criança em sua face
Esconde em parte o brilho de sua alma
O amor e a paixão os têm na palma
Que a seu prazer e mando assim nasce.

É a musa que me usa e se agiganta
Que tem no lábio o fogo da lascívia
Abusa de meu corpo e me encanta

Querida, fútil e pródiga Jemima
É toda alegria, é poesia
É minha cara e mágica menina.

Soneto de infância

Às manhãs iluminadas, no velho bairro
As crianças despertam e vão pra rua
Inventam brincadeiras, roubam fruta
Na pueril inocência imitam carros.

As vezes apostam uma bolinha
Quem bebe mais água, sem parar,
Reinventam outros modos de brincar
Passam nas casas e apertam campainha.

O riso de rir só é engraçado
Faz cócegas olhar para o vizinho
A infância é um nó não desatado,

A velhice não apaga o menino
Brinquemos meus amigos, de ser grande
Pois a vida é um parque inusitado.

Soneto de trovador contemporâneo

De ti amor serei fiel vassalo
A teu pedir atentarei com empenho
Rogar-te pelas madrugadas venho
Gemidos de torpor e prazer calo.

Clamando a ti rogo tua presença
Em trovas de poeta ao mundo grito
É grande meu amor, por isso sinto
A chama fumegar como doença.

Que diga ao amor: Seja crescido
Inflame este amargurado peito
Complete este sonhador perdido

Que de tanto pulsar quer ser amado
Pois quão mais ama mais quer ser querido
Ferido coração enamorado.

Soneto incandescente

Em meu ser deflagrou-se um incêndio
De paixões e amores conturbados
De linda moça estou enamorado
Inflama o fogo em íntimo silêncio.

Suspiro os mormaços de minh’alma
Debato-me e espero tal momento
Que há de ser de mui contentamento
Ansioso eu espero, perco a calma.

Só ela há de apagar a chama
Ao alastrar o fogo neste peito
Basta só dizer que muito me ama

E por em erupção todo este feito
Num beijo longo, uma fraca cama
Cenário próprio dum amor perfeito.

Soneto onírico

Quem sabe o dia agora seja claro,
desembaçando a vista do futuro,
trazendo sonhos ao poeta puro,
poeta puro neste mundo é raro!

Sonhar; um dom de Deus que a alma toca,
quebrando os limites do possível
mergulha no real do implausível,
mistérios introspectos enfoca.

Se da imaginação de um ser divino
o mundo foi criado e modelado;
da arte o sonho é um lindo hino,

do sonho a arte é ser contemplado,
bem mais que degustar um vinho fino,
bem mais que admirar um lindo prado.

Orgasmo

É a dor ditosa que se aproxima
O fim por meios não justificados
Botões sem casa; corpos, mil pecados
Rubor nas faces, alma alucina.

Tempo não passa, pensamento ofega
Tudo pode sumir neste momento
Não há terra, nem pai, nem firmamento
Que possa impedir a tal entrega.

Chegando o momento esperado
Explode em cascata o monumento
Morre e vive agora o tal pecado

Lânguido e cheio de marasmo
Como dizia Carlos Drummond de Andrade
No céu o paraíso é puro orgasmo.

Tato

Amando
A mando
Dela sim;
Ela assim
Querida
Aflora no peito
Sem jeito
Em mim.


Suspeito
Do beijo
Namora
Menina
Suspira
E geme
Clamando
Jemima
Arfando
Implora
Reclama
Demora
E urge
A vinda
Que finda
Na noite.


Os corpos
Se movem
Amando
A mando
Do tato,
Movendo
Montanhas
Gemendo
Entranhas
Estranhas
Ao fato
De serem
Amadas
Tocadas
Por outrem
Que querem
Amar.


Chegado
O dia
Os corpos
Exaustos
Repousam,
Ressonam
Dividem
A cama
Que fora
Estreita
Durante
A noite.

Envolta
Em luas
A dama
Branquinha
Suspira
O sono
Cravado
De amor.
Vigio
Seu sono
E velo
Sua face
Contemplo
A glória
De uma
Mulher;
Despida
E bela
Singela
Tulipa
Recende
O aroma
Em flor
De jasmim.
A pele
Revele
Encanto
Momento
Eterno
E santo
Sem fim.

Soluços

A sua ausência
materializada
corrói o peito que carrega
o coração despedaçado.

Pedaços,
de lembranças saudosas
madrugadas mal dormidas
reservadas à consumação
do amor, ato de viver.

Tanto viver,
viver de ti somente,
tão meiga e paciente
suportando os meus erros.

Errado é não te-la,
não louvar hiperbolicamente
um romance,
de adolescente.

Romance completo,
com trilha sonora,
com textos e falas
e até beijo cinematográfico.

A sua ausência
Penumbra na lembrança
meu choro de criança,
sem concupiscência.

Dói-me o âmago,
Introspectivamente
Incandescidamente,
desejo, desejo.

Desejo teu cheiro
de mulher; implícitos
em sorrisos nossos
segredos lógicos.

lógica sem nexo.
Amor:
há de ter palavras
para explicar?

A sua ausência
enfatizada
destrói o peito que palpita
o coração entristecido.

Soluçando
de paixão, inevitável,
marcado, indelével,
coração tatuado.

A sua matéria
ausente,
carrega o coração que despedaça
o peito corroído.

A sua face
miraculosa
é digna de láureas
e dum troféu olímpico.

Noite trágica
de chuva tímida
que cai rápida,
como uma proparoxítona.

Frio. Pétalas no chão,
noite sem estrelas,
chove, chove, chove
tempo eterno,
plantas cansadas,
inclinadas,
coloridas, infrutíferas,
o mundo indiferente,
era de se esperar.
Estou impaciente,
aguardo o teu voltar.
Qual é o sabor de voltar pra casa e não ouvir a tua voz?

Segredo

Aquela madrugada não esqueço
Em que sentado estava em minha cama
Sua ausência a corroer a dar o preço
De um pobre coração entregue à chama.

Não pude contentar-me com tão pouco
Meu corpo reclamava, a queria
Fervia em alta chama feito louco
Em meio àquela madrugada fria.

Seus beijos desejava oh! menina
Despi-la com virtude em seu leito
Matar este desejo que alucina
Refugiar-me em seu grandioso peito.

Me pus a caminhar em meio à rua
Não quis mais aceitar a sua ausência
As luzes refletiam com a lua
O gozo de uma nobre imprudência.

Chegando então em sua escura casa
Eu vi os seus cabelos reluzentes
Subimos descalçado’ a escada rasa
A fim de não acordar os seus parentes.

Entramos em seu quarto à luz de velas
À meia-luz daquela madrugada
Seu corpo fulgurava em aquarelas
Pereço de amor ó minha amada!

Aquela noite foi inesquecível
Em chama sua cama me amava
Venero-te ó minha musa intangível
De seu eterno amor eu não cansava.

Em todo seu amor eu vi encanto
A todos os momentos fui atento
Que mesmo sendo o menor momento
Guardei-o com carinho sempre e tanto.

Em teu sorrir eu vi seu pensamento
Deixei de derramar aquele pranto
Louvei a nossa historia com meu canto
Meu coração é só contentamento.

Te peço não esqueça ó amada
Aquele amor que eu guardei um dia
Tão bem guardado que achei que nada
Tirá-lo do meu coração podia.

Você me libertou deste deserto
Que frio estava, agora é só chama
Livrou-me e me trouxe para perto
De seu amor que meu coração ama.

Reflexão desconcentrada

Gosto de Sampa,
Gosto do Samba.
Penso no boteco entrecortado no buraco.
Monóxido nocivo,
Dióxido ativo.
É tudo que respiro neste ar contaminado.
Leio um livro,
Aos poucos me livro.
Quero me igualar aos escritores consagrados.
Faço um poema,
Qual é o problema?
Um dia vou morrer e quero ser reconhecido.
Ardem meus olhos,
Choram seus molhos.
O céu está cinzento e carros zunem na avenida.
Não sou famoso,
Mas sou charmoso.
Tenho um emprego, namorada e família.
Quero escrever,
Quero só viver
Outro dia lindo vai nascendo lá de longe
Eu não sou rico
Mas sou o Drico
Quem sabe um dia então eu possa ter um nome artístico?
Eu não sou mágico
Posso ser trágico
Disparo pensamentos; furtos, folhas de rascunho
Fico sentado
Ao mundo alheio
Enquanto outros tantos choram silêncios perdidos
Caneta nociva
Manchada, ativa
Cúmplice de pensamentos extras, raciocínios
Papel branquinho
Virgem, novinho
Propenso para ser violentado e escrito
Livros ocultos
Tesouros atados
Reflexo da imaginação preponderante e recatada
Musa inspiradora
Mitologia grega
É muita porcaria para universitários
Palavras ditas
Feridas sangrando
Aquilo que foi dito é uma lança que trespassa
Mundo girando
Pessoas automáticas
Rotina desgraçada vai matando os sentimentos
Dedo doendo
Livro do lado
Ou me ardem as vistas, ou o dedo machucado
Preciso pensar
No infinitivo
Sentir, querer, pisar, voar, viver no particípio
Tempo verbal
Verdade absoluta
Ou se crê em Deus ou vá sozinho para a luta
Morte certeira
Acidente de trânsito
Uma cassetada faz o boy morrer mais cedo
Dia monetário
Bolsa de valores
Pessoas preocupadas se o dólar “tá” em alta
Vida perdida
Sonho esquecido
Dinheiro não é tudo, é difícil convencê-los
Retrato manchado
Poema escrito
A arte imita a vida e a vida imita nada
Reflexo ignorado
Fato oculto
O chão que a gente pisa não é santo como pensa
Tarde embora
Noite chega
E outro dia finda seu ciclo.
Vida imensa
Morte certa
Mas nem por isso deixemos de buscar o infinito
O infinito das coisas simples e belas
Do bolo de fubá, do feijão com farinha
Do cabelo bagunçado daquela irmã mais velha
Da barriga molhada da mãe lavando louça
Do cachorrinho contente e atrapalhando seu passo
De chegar em casa outra vez
De ver a beleza oculta como uma escultura ainda não talhada
De sentir o sabor da água
De ter ciência que está vivo e respirando
Saber que você pode mudar o mundo ou simplesmente deixá-lo seguir seu rumo.
Mesmo que mundo seja apenas,
A sua cabeça cabeluda e cheia de caspa.
Ouvir as pessoas relatarem pedacinhos de sua vida e saber que,
Depois disso você nunca mais será o mesmo.
Poder sonhar, poder ser, ter o poder de querer;
E acima de tudo o poder de amar.
Cada momento, uma vida
olhares, suspiros, tempos
doçura que se vai, ventos
passam-se os momentos.
Fica o corpo,
fica a alma
fica ...

Quarta-feira

Cai a noite
Leve tombo,
O frescor
Toma conta do ar,
Calmas árvores
Estáticas,
Servem só de paisagem,
Tal qual a miragem
Dos meus olhos contemplar.
Vem a noite,
Leve brisa
Indecisa,
Sutil açoite.
Doce tédio
Ocioso,
Ombros cansados,
Lânguido suspiro,
Outro dia que se vai
Nas asas do tempo
Que urge sem remédio
E voa sem razão.
Regressam aos lares
Súditos de um reino
Sem rei; imaginário,
Sua majestade “O Salário”
Trabalham para quê?
Esqueçam os escravos,
Voltemos à noite
Que é majestosa
E ao som de mil cravos
Na valsa ditosa
A cálida foice
Pincela os mormaços
Restantes do dia,
E sem alegria
Nem pouca tristeza
Demonstra a beleza
De tal poesia,
Poesia pingada
Em versos e prosa
Conversa mimosa
De poeta ao luar.
A letra rimada
Traduz a lascívia
Que a palavra torta
Teceu no papel;
Letras de mel
Melífluas, fluídas
Em flores de lis
Emanam sentenças
Tratados, promessas
E juras de amor.
Sem mais desavenças
A brisa pacata
É a vida que passa
Puída de dor.
A dor também finda
Então o que resta?
Sem vida, sem brisa
Sem poesia, sem dor
Se o tempo contestaSó resta o amor.

Poesificadamente: Você e eu

Beleza madura suprema
Lasciva celeste sagrada
Machuca consola algema
Liberta possui maltrata.

Ama clama sonha
Nossa cama sua
Alma calma ganha
Chama arranha fica.

Tímida, lúcida, única
Mágica, bêbada, ótima
Típica, mística, pródiga
Cômica, clássica, fixa.

Possui sua alma
Machuca cama bêbada
Consola nossa calma
Liberta chama fixa.

Ama sagrada tímida
Sonha suprema mágica
Arranha lasciva única
Fica algema mística.

Arranha nossa cama bêbada
Ama, fica algema única
Ganha calma alma tímida
Possui chama sua lúcida.

Possui nossa bêbada cama chama mística
Machuca sua algema e liberta a tímida
Consola a suprema lasciva e única mágica.

Ama nossa cama, a lúcida chama algema a alma,
Sonha sua alma, a mágica cama celeste e fica
Chama, fica clama, a bêbada alma suprema e única
Arranha a única chama, a mística clama e consola a pródiga
Beleza celeste sagrada, ama sua cama e ganha sua alma.

O axioma do amor

O belo amor é gozo e sofrimento
Enquanto ‘inda não toca o corpo amado
Sim! Goza por tanto ser ferido
clamando o não-concreto do momento.

O amor é uma desmetrificação
É a aletoriedade, a incerteza
A beleza da forma irregular
Disritimia, assimetria, desigualdade

O amor é uma maluquice
Um disparate, uma insanidade
Uma burrice selvagem
Uma calmaria
Uma ridicularidade,
Uma carta
piegas
e ridícula.

O amor tem gosto de jiló
O amor é uma desgraça
É a quebra do poema
A fuga da matéria
O errado, do errado, do erro, do erro, do erro
O amor é a manifestação mais presente e sucinta
do pecado;
o amor é confusão mental
e um soco no peito
um chacoalhão na alma
um rasgo no ego
humilhação gostosa.

O amor é um sopro
Um bafo de vida
É bobeira, é riso
É tristeza,

É o que todo o mundo sabe
Mas que poucos conseguem sentir
o seu verdadeiro calor.

Momento

A noite está maravilhosa
A brisa traz sua lembrança
A Lua vem sempre, teimosa
Executar sua vingança
Trazer à tona sua imagem,
Sempre tão bela e selvagem.

A escultura imperfeita
De perfeita natureza
Que me provoca, se aproveita
De tão real e tal beleza
O seu rosto sagrado e passivo
Contemplarei mortal e passivo.

Beijá-la-ei com volúpia e devoção
Como um aprendiz que ensina a seu mestre
O preceito de uma nova emoção
O fracasso matemático de um bimestre
O teu cheiro rasgado em sândalo
O machado denuncia seu escândalo.

Minha querida flor-de-não-sei-o-quê
Porque de flor não entendo nada
Somente os versos me alentam e aquecem
Nesta crua e miserável madrugada
Agonizo esperando o teu amor
Sereno, sincero e sem pudor.

Lua

Era uma lua enluarada
Cheia de lua, brilhante
Que brilhava sempre no céu
O mesmo de todos os dias
Porém não se cansava
De brilhar, brilhar, brilhar
Luz morna e agradável.

Era lua sem tecnologia
Que na rua refletia
Seu sonho de estrela
Reluzir ao máximo
E ser vista, admirada
Só pelo simples prazer
De por todos ser contemplada.

Era uma lua analfabeta
Repetitiva; gostava de clichês
Louvava a beleza do óbvio
Daquela sinfonia com três acordes
simples, eloqüente
De fácil execução.

Era a lua de todos os dias
Lua rotineira, porém pontual
Que na primeira linha do céu se expunha
Até meio que afobada.
Mas convenhamos; roubava a cena
Toda vez que se exibia.

Lua apaixonada
Era essa Lua, Luísa, Luana
Que a luz em seu céu profana
Emitindo sua forma diáfana
Ofuscando a beleza humana
Atirando a índia ao lago.

Ah! luazinha exagerada
Maculas o negro do céu
De forma insistente
Com suas formas arrojadas
Influencias nossa maré
E fazem-nos suspirar.


Como é doce o luar
Simples e incalculável
Dessa lua bela e pura
Santa lua, puta nua
Permita-nos deleitar
Com seu doce luar
Ó lua nossa bossa nova
Como é doce seu luar.

Escuro céu

I

A lua está escondida
Entre nuvens
Seu brilho ofuscou-se
Mas ela está lá
Eterna.

Talvez chore
Sem ao menos saber o motivo
Não mostra sua face
Pois a maquiagem está manchada.
Não quer ser vista
Com o rosto vermelho
De lágrimas.

E há o dia
Que ela esconde-se
Totalmente
Num torpor de astro
Para esquecer de tudo.

Na sua alma
Borbulha a volúpia
Envolta em gelo
Incinerada e oculta.

A neve esconde
O coração farto de amor
Que deseja mais amor
Que ama demais.

Ó lua, diga-me
O que há de tácito
Em seu intrínseco coração
Em seu introspecto da alma!

Alguns silêncios
Podem ser entendidos
Outros, no entanto
São insuportáveis.

Ou você não sabe falar
Ou não quer me dizer
Diga-me! Agora!
Lua, o que há!

Sei que estamos distantes
Mas responda a mim
Não me olhe com essa cara
Com esses olhos ressentidos.

Lua, lua querida
Volte a brilhar em mim
Traga minha musa
Pois estou sem métrica.

Estou vazio
Você está fosca
Vamos transar lua?
Eu sei que está aí.



II

A lua me deixou sem o seu brilho
Estou de todo ao solo e prostrado
E como o pó do chão. O seu retrato
Oh! Como são bonitos os seus cílios!

A sua face escondeu na noite
A puta linda está entristecida
Em vãs divagações adormecida
Em prantos de tristeza, vil açoite.

E quando enfim cessar a dor pungente
Beijá-la-ei com toda a ventura
A sua face fulva, meiga e pura
Impávido amor de adolescente.

Amá-la-ei, amor absoluto
Com toda a verdade e ignorância
Amar não é saber, amar é ânsia
Que corre em gotas de um pranto mudo.
Era um cabelo belo
Um beijo sufocado, um bocado
De boca abocanhada
Beijo língua, míngua
Ímpia alma de mulher cognitiva
Impera, ela bela
No seu passo de donzela
Me beija, eija, eija
Perco o passo.
Fica o eco, eco do espaço
O compasso de um recato
De mulher silenciosa.

É ela, são ela
É menina-catequese
Que confronta o profano
Com santíssima trindade
O beijo no repasso
Redespaço de um homem
Que inspira o poeta
A rever as suas cinzas.

Raízes de um canto
Redesmorre as poeiras
Que revive em um cacto:

Gestão do amor mirabolante.

Divinas mulheres brasileiras

A infinita beleza
Que da mulher brasileira recende
É uma beleza extrema,
Quase exagerada.
É luz que emana dos poros orgulhosos
Iluminando a calçada-passarela.
Flutua ela em seu samba puro
E encanta o que canta a cantiga no boteco,
Enquanto outro contorce o pescoço.
Pára tudo!!! Ela vai passar,
Aglomerem-se na esquina e esperem
Parvos, absortos, estupefatos e maravilhados
Com a beleza atrevida desta menina-moça,
Venenosa,
Ela sabe de sua beleza
Por isso esbanja
Seguindo no passeio
Absoluta, majestosa.
Seus súditos honram-na com assobios e gracejos,
Imponente desfila ereta e resoluta
Sumindo na paisagem
Até que tudo volte a sua opacidade
Corriqueira.
Vai iluminando outro lugar
Contamina todos com sua beleza
De Teresa, duquesa, princesa,
Beleza mágica de Fátima
Singela de Gabriela,
Seja ela flor, mulher, poesia e pecado
A beleza do erro
Que prova a inferioridade do homem
E destaca o encanto da linda donzela.
Lá vai ela, na passarela
De chinela amarela,
Nua, na rua cheia de lua,
Daniela,
Não importa a Graça, Graziela
Todas são “ela”
Todas são “Eva”
Cabe a nós, homens, somente nos deixar levar,
Amá-las visceralmente;
Delas saímos e para elas voltamos
Como o pó que nos formou.

Amor inevitável
Por vocês Femininas
Que viram as nossas cabeças
E tomam as nossas costelas.
Somos teus ó mulheres,
Ó mulheres brasileiras.
Amor,
Quis mostrar-lhe o mais alto monte
E o além dos seus limites
Com ardor
Desejei erguer um castelo forte
De todas as forças e instantes
Bradei
Diante do perigo demonstrei bravura
Só pra ter um sorriso interjectivo de estupefatez
De ti ó dama linda
Repleta de candura
Que após meus vários “eus”
Detém minh’alma ainda.

Cavei a terra
Ensandecidamente
A procura da jóia mais preciosa,
E voltei barrento, roto, com um volume mínimo na mão
Quase imperceptível, porém grandioso.
Era um coração,
Não. Não é narciso
E digo-lhe que é lindo
Pois, por mais que mergulhasse eu em introspeçções
O que mais encontrei
Eram porções exageradas de você;
Perfumadas, exalantes, misteriosas;
Que atrelavam-se em meu ser
Enraizando-se profundamente.
Gostei do coração, porque por dentro era você
E lho dei para que possas ver quão linda
É a sua imagem refletida por meus olhos.

O sentimento

Que o amor não seja a previsibilidade dos efeitos
e sim a causa de todo o bem.
Esperamos que não seja limitado, finito, fraco,
mas que seja o tapa na cara, a dor, a vermelhidão,
seja o sentimento de sangue.
Que rasguem-se as carnes, mas permaneça,
que o corpo se mutile, mas o amor não morra.
Morra a esperança, mas não morra o amor.
Enlouqueçamos de amor; amor exagerado;
não este amor comercial que pregam e sistematizam
e sim amor gritante, de adolescente inconseqüente;
que estoure nossos tímpanos e cordas vocais,
que massacre o coração e artérias,
que ocupe todo o vácuo do ser,
que não se metrifique, não se pense,
mas que se sinta explodir para dentro.
Dissonante e anti-regras seja o amor,
além das letras, da melodia, da imagem e do raciocínio.
Que seja maior que nossos olhos possam ver,
seja a luz que une dois corações, aproximando as almas
num contato verdadeiramente íntimo.
Que ultrapasse as peles, carnes, ossos, espírito, idéias, ser, origem e pré-origem,
que seja a essência da essência da essência da essência da essência .
Que seja o Amor.

O silêncio de um corpo celeste

Sou um privilegiado
Hoje vi a Lua
Falei com ela, conversamos
Coisas sobre-humanas
Inexatas,
Porém verídicas.

Hoje ela não se escondeu
Estava alegre, adornada
Quase mística
Misteriosa como sempre,
Bela.

Me atrevi a dar-lhe um beijo
Ela consentiu.
Deitamos e rolamos
Como crianças rimos
Até doer o abdome
Rimos de tudo
Rimos de nós
Rimos.

Ela contou-me sua história
Desabafou seus segredos
Chorou no meu ombro
E por minutos
Ficamos abraçados
Em silêncio.

Logo voltou a sorrir
Tomou seu cetro em suas mãos
E me abençoou.
Mostrei a ela
As poesias que fiz,
As músicas que compus,
Os quadros que pintei,
As esculturas que esculpi,
As plantas que semeei,
As idéias que persisti,
O mundo que criei,
As emoções que senti,
As peças que atuei,
Os risos que ri,
E as lágrimas que chorei.

Mostrei meu silêncio
Curto e intenso
Duro e intrínseco
O silêncio de um deus.

Encaramo-nos
Durante horas
Adivinhamos os pensamentos
Invadimos o âmago
De nossas almas
Em silêncio.

Bebemos vinho e água
Louvamos Baco
Berramos besteiras
Cantamos jazz
Ouvimos bossa nova
Dançamos uma valsa e um tango.

Agora, além de musa
Tenho uma lua só minha
Para satisfazer
Meus caprichos.

Farei uma orgia poética
Com a musa e a lua
No leito do firmamento
No céu.