sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Folha de papel

Folha, ó ilustríssima sulfite!
O que há por trás do teu silêncio?
Alvo silêncio, por que escondes a beleza?
Hei de te esculpir de talhada em talhada
num esforço artístico, só por teus caprichos?
Responda-me, e deixes de lado essa brancura!
Este teu cinismo recôndito é de ensandecer!
Fale comigo folha! Macule o teu silêncio!
Ou pelo menos deixe a caneta correr mais livremente.
Não me limite a espaços pré determinados
E idéias pré-concebidas;
Faça de ti uma poesia, partitura, retrato;
Algo de real valor.








Desculpe-me a demora, Folha;
Mas tive que recompor minhas forças,
Tomar um café, munir-me de tinta
E correr ao combate;
Continuar a travar o duelo entre mim e ti.
Sei que hei de vencer,
Despojarei-lhe e a deixarei impregnada,
suja, impressa com idéias novas,
ou recauchutadas.
Sei que não será fácil,
Mas ferirei tua brancura de letra em letra
Até que percas as forças
E entregue-me, vencida e exausta,
Um poema quente, breve, contundente
Com mil formas diferentes de se ler;
Um grito literário de um milhão de vozes de potência,
Que seja ouvido
Muito e sempre,
Que não pare de ecoar,
Provocando um comichão incômodo
Em quem ler
E que traga à tona o majestoso
dia em que te venci.

Urbanos completamente sãos

Motoristas velozes arrancam com seus carros
Tanto barulho, tanta confusão, tanta fumaça
Tá-ta-tá-ta, o trem, bicho-trem.
Show de piscas, limpadores de pára-brisas,
Buzinas de todos os sons. Dissonantes.
Confusão tetradimensional; pensamentos aniquilados
Atropelam-se em plena avenida,
Lombadas, semáforos, obstáculos, radares
Tudo quer impedir a velocidade.

Meditar na confusão é tempo que se perde
É preciso produzir. Mais, mais e mais.
O rio, o leito do rio está maculado
O mau cheiro ofusca o olfato
Que logo se mistura com a fumaça. Massa, massa.

Um rosto triste pondera
No ponto de ônibus
Um corpo de uma moça tem um rosto pensante
Ela é um rosto pensativo. Só o rosto. Mosto, mosto.
Um rosto ponderante acoplado no corpo duma moça,
Que tem seios e respira fumaça. Fumaça urbana.

Barracos, tocas, casas, sobrados, apartamentos, prédios
Garagens, calçadas, sarjetas, esgotos, ruas,
Buracos, buracos, buracos. No chão; buraquinhos e crateras
Quebram os amortecedores, tropeçam os sapatos. Patos, patos
Tem pato pacato e recatado no terreno da velha italiana
do lado do prédio comercial.

Pessoas na rua. Sem destino. Enquanto umas vem
Outras vão, voltam, vai, vinham, regressam. O cansaço
mistura-se com a disposição e gritos juvenis. Sindicato,
Escola, trabalho, casa, igreja, cama, banho, comida, Internet.
O celular toca,
Quem atenderá?
Pessoas aflitas procuram seus aparelhos em suas bolsas
Como se isso custasse-lhes as vidas.

Polícia, sirene, motoboy, ambulância. Ânsia, ânsia,

Lamazinha sujérrima impregna o chão,
O mundo está sujo;
Por que a dona-de-casa varre a calçada?

Política, economia, mercado. Peixe, peixe, peixe,
filosofia, psicologia, religião. Terrorismo

As pessoas não querem trabalhar hoje. Mas vão.
Violentam-se minuto a minuto. Trabalham,
trabalham, trabalham. Ralham, ralham, atalham.
Sobra pouco tempo para pensar. E para o amor?
Sexo, sem nexo, patético, não-ético?
Orgasmo. Cinco minutos de silêncio.

Filho, tio, mãe, pai, avó, cunhada, sogra, enteado, sobrinho, prima, tia-avó, meio-irmão, irmão inteiro, namorada, esposa, amante, pastor, padre, prefeito, consciência, pecado, erro, mentira, vaidade, moda, marketing, universidade, carnê de pagamento, dívida, enchente, inflação, doença, beijo, olhar, ansiedade, tempo, tempo, tempo.

Caos.

Um minuto para pensar e desligar-me?
Posso tocar uma música e recitar um poema?
Posso respirar?
Não. Mergulho nesse caldo insosso
Nesse caldeirão sujo. Planeta Terra.
Brasil. São Paulo. Barueri.

No meio da avenida relato. Lato, lato.

Rotina

Dorme, acorda, espreguiça
Pisca, anda e tropica
Escova, lava, dá cuspida
SORRISO.

Troca roupa, põe calça
Bebe leite, quebra taça
Suja boca, come massa
ARROTO.

Pega livro, esquece chave
Beija filho, canta ave
Desce escada, surdo grave
PROCURA.

Sobe escada, chuta porta
Geme casa, mas suporta
Sua dor pra quem importa?
NINGUÉM.

Vai na copa, cai panela
Quebra o balde, acende a vela
Tá atrasado, sai cadela!
TIC-TAC.

Desce escada, ganha rua
Aperta o passo, até que sua
Dura vida, vida crua
TRANSPIRA.

Dá sinal, entra no bus
Está cheio de urubus
Passageiros quase nus,
SACODEM.

Abre porta, que trabalho
Mundo cheio, mundo falho
Cheiro de cebola e alho
BARALHO!

Sobe escada, pico o ponto
Já está ficando tonto
Dia ruim nunca vem pronto
LAMENTA.

Passa hora, acaba turno
Vai entrar plantão noturno
Já cumpriu dever paterno
RETORNA.

Desce ponto, pica rua
Abre mundo, ganha lua
Não morre a rotina nua
ESCADA.

Doce casa, come janta
Tanta fome, fome tanta
Beija noite que encanta
E DORME.

UM SEGUNDO

Neste momento alguém agoniza
Perdendo a vida
O tímido não declara seu amor
Perdendo a vida
O gameta não atravessa a parede de látex
Perdendo a vida
O garoto injeta uma overdose de alegria
Perdendo a vida
E o sol se põe no horizonte
Perdendo a vida
Neste momento alguém está copulando!
Perdendo a vida
E o operário fazendo hora extra
Perdendo a vida
A adúltera geme de prazer
Perdendo a vida
E o fornicário maquina novos planos
Perdendo a vida
Há soldados invadindo terras hostis
Perdendo a vida
E mães que choram por seus filhos
Perdendo a vida
Presidentes que querem mais poder
Perdendo a vida
Um bandido está sendo detido
Perdendo a vida
Uma árvore está sendo cortada
Perdendo a vida
E o humorista ri sozinho da piada
Perdendo a vida
O agricultor limpa o suor na camisa
Perdendo a vida
E o boi atola no barreiro
Perdendo a vida
O menino cai da bicicleta
Perdendo a vida
A menina pela primeira vez fica menstruada
Perdendo a vida
O operário pega a mulher no ato
Perdendo a vida
Expulsa o Ricardo, espanca a mulher e pede o divórcio
Perdendo a vida
Bebe no bar, xinga o guarda e cai na valeta
Perdendo a vida
Ele chora
Perdendo a vida
O mendigo busca no lixo seu alimento
Perdendo a vida
E a garotinha rica reclama do banquete
Perdendo a vida
Um trabalhador é assaltado
Perdendo a vida
O metal pequeno atravessa-lhe as carnes
Perdendo a vida
Uma viúva inocente espera o marido
Perdendo a vida
Logo vai chorar no seu enterro
Perdendo a vida
O depressivo planeja o suicídio
Perdendo a vida
Procurando o edifício mais alto para seu vôo mortal
Perdendo a vida
Vai sair na manchete do jornal
Perdendo a vida
Mas no outro dia ninguém se lembrará
Perdendo a vida
A gestante sente a hora chegar
Perdendo a vida
E expulsa de si um corpo novo
Perdendo a vida
Nasce a criança enrugada
Perdendo a vida
É o início de sua morte lenta
Perdendo a vida
Há um grande mal que a espera
Perdendo a vida
É a vida cruel no mundo limitado
Perdendo a vida
Para existir é necessário viver
Perdendo a vida
Beijar todos os beijos, fazer todos os filhos e escrever todos os livros,
Comer todos os doces, rir todos os risos e abraçar todos os dias,
O poeta repete uma frase chata
Perdendo a vida
Logo o enfurecido leitor espancá-lo-á até a morte
Perdendo a vida
Mas saiba de uma coisa muito importante:
Quando terminares de ler este poema tenha certeza que estarás:
Perdendo a vida.

Ponderação

Vida cascuda, não vem pronta,
Quanto mais descasca, mais longe o cerne fica.
Mas afinal, o que é vida?

É nascer, crescer, reproduzir-se e morrer?
É assistir ao mundo com a ponta do nariz atrapalhando?
É esperar o amanhã que nunca chega?

É fazer empréstimos para pagar a dívida ao credor e ficar devendo ao banco, emprestar da financeira para pagar o agiota, emprestar do agiota para pagar a hipoteca, penhorar todos seus filhos para pagar seus pecados, fazer um holocausto para pagar a dívida externa, interna e intensa, emprestar do FMI para pagar a esmola que você ficou devendo ao mendigo do semáforo que lhe cobra tantos impostos, vender a alma para pagar quem-sabe-lá; sua bunda foi parar no pregão da bolsa de valores e está sendo disputada por mil malucos que também estão devendo, já venderam seu sangue e disputam agora os ossos. Deus lhe pague com juros, correção monetária e ajuste da taxa de câmbio pelo índice Dow Jones; uma folha de papel bem parecida com esta que estou escrevendo. Até Deus está devendo!
Ai meu Deus! Xiii... ele vai me cobrar por isso! A vida é cara, mas para todas as outras existe Mastercard. A porta do céu tem roleta, tô devendo, vou ter que pular o muro, mas já tem anjo corrupto cobrando pedágio; no inferno tem economista, vou economizar meus ais! Tem polícia cobrando propina pra entrar no camarote dos políticos com ar-condicionado, longe do lago de enxofre ardente, melhor não morrer que sai caro! O caixão é uma fortuna! Mas como pagar a dívida se até favores devo? Devoto? Não, tenho que pagar o dízimo, o sindicato, o menino que olha o carro, a morte de Jesus, o pecado de Adão e pagar minha língua que não se cala e aumenta a dívida. Dívida?

Vida é a devida dívida dividida em dúvidas. Sem juros.

Ostensivo paradoxo

Nasci adulto.
Sabia ler, tinha orgasmos,
Fumava e usava óculos.
Sabia mentir, fingir.

Ao nascer
Devorei minha genitora
E vomitei a consciência
Para não agir emocionalmente.

Devorei o médico
A enfermeira
E outros bebês
Para sobreviver.

Era eu um
bebê capitalista?

Vivi somente para meu corpo,
Meus interesses,
Minha fome,
Minha necessidade.

No entanto
Quando cresci
E me tornei criança
Me despi de tudo.

Aprendi a sorrir
A ser infantil
A fazer de pequenos instantes
Grandes momentos.

E vi, sim eu vi
Que a felicidade
Era um anjo
Disfarçado de mendigo.

Os que a desprezaram
Por sua aparência
Nunca obtiveram paz
Procuraram cegamente.

Procuraram na bebida
No jogo, no rótulo
No amanhã, e no maço
De papel timbrado.

Rodavam atônitos
Como insetos insanos
Sem nexo, sem valor
Sem piedade.

Quando deveriam
Estar ajudando-se
Mutuamente; embriagavam-se
De pensamentos tóxicos.

Poluíram suas almas
Com monóxido de rancor
E dióxido de mentira,
Substâncias letais.

Por isso nasci adulto,
Não havia tempo
Para a infância
Nasci pronto.

Prático e rápido
Como um delivery.

E felizmente cedo
Descobri a felicidade
Ela estava rota
Escondida no âmago.

Ser feliz
Não é “ter” feliz
Se fossemos mais
E tivéssemos menos
Viveríamos.

Não eternamente
Mas por átimos
De instantes
Seríamos perfeitos.

Como uma criança.

Efemeridade

O conhecimento, tão bem visto, pregado e aceito por todos, nos distancia de Deus.
O amor é o sentimento mais irreal, confuso, estranho e injusto que já existiu. Aliás, não existe amor.
As pessoas não sabem o que querem, mas querem, sem querer saber das conseqüências, tantas coisas.
Casar, comprar carro, fumar e beber é ruim. Porém todos fazem isso pelo menos uma vez na vida.
Olhamos, discutimos, criticamos. Entretanto, sempre temos dúvidas daquilo que falamos e pensamos.
Tememos muito a Deus. Dificilmente o amamos.
Queremos dinheiro, conforto e comida. Os outros não.
Vivemos, às vezes, em função de sonhos e objetivos. Quando os alcançamos não os queremos mais.
Temos vergonha de chorar e de abraçar nossa mãe.
Temos vergonha de nós mesmos.
Temos medo de tudo. Todavia, não assumimos o fato.
Somos melhores que o outro. O outro que se dane.
O cara que escreve este texto é um chato.
Religião é um saco. Estádio de futebol lotado, com confusões e um monte de homem suado, não.
Não somos nada.
Não somos ninguém.
Na verdade nem existimos.